O sistema de justiça está preparado para enfrentar os crimes/discursos de ódio?
Atualizada em 27/08/2021 - 16h27
Com este questionamento, a juíza federal e doutora em Direito, Claudia Maria Dadico, encerrou a palestra "Liberdade de expressão e combate ao discurso de ódio", a qual fez parte do terceiro evento do Ciclo de Atualização em Direito Constitucional: Direitos Humanos em Foco. A programação integra as ações do Grupo de Trabalho em Direitos Humanos, Equidade de Gênero, Raça e Diversidades da Justiça Federal do RS (JFRS).
Ao iniciar sua fala, Dadico primeiramente fez uma apresentação acerca das noções de ódio, diferenciando crimes/discursos de ódio de crimes/discursos discriminatórios e crimes contra a humanidade. Segundo ela, que afirma estudar o ódio com muito amor, o ódio é um elemento constitutivo e estrutural do Estado Moderno, não sendo uma anomalia, tampouco exceção. Além disso, ele segue o padrão branco, heterossexual, cisgênero e proprietário. Por ser elemento estruturante do Estado, reforça o dever de vigilância e de atuar contra as práticas de ódio, afirmou.
A juíza ressaltou que a configuração de um crime de ódio se dá muito mais em razão do contexto histórico-político-social que situa a vítima e seu grupo de pertencimento em uma estrutura social do que, propriamente, do sentimento ou dos afetos do agente envolvido na conduta criminosa. Assim, "há crimes/discurso de ódio sem que o agente sinta ódio", alerta.
Dentre os vários documentos internacionais que tratam dos crimes/discursos de ódio, a magistrada destacou o princípio 8, dos Princípios de Camden sobre liberdade de expressão e igualdade (2009, ONU), o qual afirma que os "Estados devem impor obrigações a servidores públicos de todos os níveis, inclusive ministros, para evitar declarações que promovam a discriminação ou prejudiquem a igualdade e o entendimento intercultural. Para funcionários públicos, isso deve traduzir em códigos formais de conduta ou em regras de função".
Quanto à definição dos discursos de ódio no direito brasileiro, a juíza afirmou que há, inclusive nas Cortes Superiores, confusões jurisprudenciais, com a mistura entre discurso de ódio e discriminação. E apresentou o conceito formulado por ela a partir de pesquisa realizada durante o seu doutoramento: "Formas agressivas de comunicação, em que expressões verbais - escritas ou faladas - ou não verbais - dramáticas, simbólicas, monumentos, estátuas, mausoléus, arquiteturas públicas, placas e cartazes, cerimônias, padrões e coreografias de eventos públicos ou políticos - são utilizadas como armas direcionadas a difamar, emboscar, aterrorizar, ferir, humilhar, degradar, incitar, insultar, intimidar ou assediar grupos minoritários e seus integrantes, com base em critérios de pertencimento real ou suposto a esses grupos, tais como idade, sexo, orientação sexual, identidade e expressão de gênero, idioma, religião, identidade cultural, opinião política ou de outra natureza, origem social, posição socioeconômica, nível educacional, condição de migrante, refugiado, repatriado, apátrida ou deslocado interno, deficiência, característica genética, estado de saúde física ou mental, inclusive infectocontagioso, e condição psíquica incapacitante ou qualquer outra condição, bem como fazer a apologia, a incitação ou glorificação do ódio e seus perpetradores. "
Dadico apresentou um dado preocupante nesta discussão. De acordo com ela, há 349 células de inspiração nazista em atividade no Brasil, sendo 69 delas em Santa Catarina (terceiro estado no ranking, atrás de SP e PR), com 2 seções locais da KKK - Ku Klus Klan em Blumenau (SC). Além disso, existem 6.500 endereços eletrônicos de organizações neonazistas somente em língua portuguesa e dezenas de milhares de neonazistas brasileiros participantes em fóruns internacionais.
A doutora encerrou sua palestra refletindo sobre os desafios enfrentados pelo sistema de justiça para punir os crimes/discursos de ódio e respondeu às perguntas feitas pelo público presente, composto por servidores, servidoras, magistrados e magistradas da Justiça Federal e do Tribunal Regional da 4ª região, e, também, do Conselho Nacional de Justiça e de outros Tribunais.
A próxima palestra do Ciclo de Atualização em Direito Constitucional: Direitos Humanos ocorrerá em setembro com a temática "Capacitismo e a lógica de corponormatividade", que será ministrada pela psicóloga Karla Garcia Luiz.
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